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Respirar é indispensável para existir. A maleita contagiosa dos últimos tempos, tem dificultado esta actividade aos que são afectados e aos que, para prevenir o contágio, adoptam medidas cuidadosas de etiqueta respiratória.
Talvez seja isso que tem atrofiado a inspiração e tem dificultado o fluir de ideias arejadas, ante o vigente clima extremado, tóxico e sombrio, que se espalha à velocidade de uma peste.
Permitamo-nos oxigenar pensamentos, juízos, certezas e razões para que sejam fontes de vida. Tornemo-nos, pois, pulmões sadios de consciência e princípios, mas também de aceitação e irmandade.
És o luxo dos meus dias austeros. Isto parece redutor e à primeira vista roça o insultuoso, mas não interpretes mal: Não és um mero produto extravagante comprado a preço proibitivo, com a função de satisfazer um ego voraz ou para ser exibido como conquista. És um luxo, sim, porque é nessa categoria que me é permitido aceder a estados elevados do sentir, do fruir, do percepcionar, do apreciar. Por vezes, apenas o luxo permite aflorar o que é elegante e sofisticado, e abre as portas à exuberância da generosidade. E na órbita desse estado altivo, encontro alento para enfrentar o corriqueiro, o banal, a lentidão medíocre da existência.
A fractura está cada vez mais exposta. Os ventos de mudança dão lugar aos ciclones extremados. É sintomático ver o zelo com que se reclama a protecção da propriedade privada, e se cala face à exploração humana bem debaixo dos nossos narizes empinados e hipócritas.
Não me venham falar das virtudes da pseudo-herança judaico-cristã da civilização europeia. Somos capazes das mesmas atrocidades dos extremismos que dizemos querer combater. A nossa jihad é pelo ego-consumismo-cristão. Os nossos atentados são mais elaborados e subtis, mas igualmente destruidores. Os nossos templos pregam mais o sucesso do cristianismo empreendedor e o bem-estar da alma, do que o incómodo revigorante que o amor ao próximo provoca no nosso conforto.
É muito difícil acreditar consistentemente num liberalismo económico que assobia para o lado, enquanto trata os trabalhadores como meras máquinas de produção industrial, e os cidadãos como consumidores estupidificados em obesidade mórbida de individualismo.
É muito difícil acreditar no cristianismo mainstream, rendido ao sucesso e que luta empenhadamente pela preservação de pseudovalores do farisaísmo, vestido de modernidade, que não são mais do que redutos de poder e domínio, negligenciando a realidade social e a justiça.
Caminhemos então, alegremente, rumo ao abismo da infra-humanidade.
O que é que nos faz sorrir? O que é que consegue penetrar a nossa carapaça, tal como os raios de sol por entre as folhas das árvores, e coloca em nós coloridos vislumbres de alegria? De onde vem o estímulo que faz brotar ideias e que fermento as faz prosperar? O que é, afinal, a vulnerabilidade do ser humano exposto à intempérie da vida ou à fortuna do momento mágico?
O acto de cuspir no prato do que o 25 de Abril nos proporcionou resulta dos tempos de insanidade que vivemos. Sobretudo quando essa atitude parte dos bem-instalados que usufruem diariamente das regalias e benefícios que o novo regime lhes entregou. As injustiças, imperfeições e falhas de um regime democrático não são para esquecer, e devem ser cobradas, mas serão sempre preferíveis à obscuridade sanguinária e maléfica de um poder ditatorial. Viva o 25 de Abril. Viva a Democracia!
Aprecio conversas do tipo "todo-o-terreno". Não apenas porque tenham amplitude e abrangência tão vastas quanto o "todo-terreno" insinua. Também por serem aqueles diálogos que deixam em nós rastros, trilhos, como os dos rodados de um veículo na terra. Tanto que os seus efeitos não desaparecem com facilidade e obrigam a voltarmos à sua recordação e à reflexão. São conversas que nos sacodem violentamente, nos deixam o corpo moido, e obrigam a refazer caminhos, conceitos, convicções. E há um encantador mistério em tudo o que, vindo de outras mentes, origina estimulos intelectuais e efeitos corpóreos visíveis. Esta é para mim a mais bela interacção entre seres distintos. Aquela que gera transformação.
A impunidade aleatória do perigo anda à solta e ataca a proximidade dos nossos afectos. Nunca com uma cadência como a de agora.
A inflação do temor tomou conta da economia dos dias.
Talvez ainda não tenhamos compreendido o alcance deste gesto e nos percamos em significados de espiritualidade pomposa que desembocam numa espécie de cristianismo de mercado de auto-satisfação superficial, em troca de uma qualquer obediência de rebanho.
Talvez precisemos de procurar abrigo à sombra deste acto, para finalmente entendermos que o amor pela humanidade não está nos zelos mesquinhos, nem em instaurações de reinos de dominação terrena, mas na entrega a um amor sem condições que toque o semelhante mais distante de nós.